Inevitável Gozo

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Ela era uma alta funcionária do governo federal e entre os toques repetidos de seus saltos, a maquiagem sóbria e o coque no cabelo, tudo afirmava uma grande mulher. Todos os dias, o mesmo ritual: ainda dentro do carro, os retoques, ainda dentro de si, muitas vontades. Descia com suas pernas torneadas uma a uma e caminhava com passadas superiores por um longo corredor até chegar ao gabinete, à sua mesa, àquela cadeira. Sentada, olhava ao redor e estendia o branco de si às paredes. Tentava chorar, mas nada havia. Cinco minutos e a secretária entrava, fazia as perguntas habituais e oferecia o copo d’água que já aguardava na bandeja o seu sim. Novamente sozinha, olhava os papéis sobre a mesa e resguardada pelas quatro paredes, iniciava o caminho.

- Preciso de um pouco de silêncio querida. Não deixe ninguém entrar na sala por agora, está bem?

Seu corpo já pulsava inexplicavelmente. Era aquela sala, aquela cadeira, aquela luz entrando pelas frestas da janela. Tudo, para ela, emanava devaneios sexuais e era inevitável o desejo de masturbar-se ali, todos os dias, como um rito enviesado de emoção e culpa.

Então suas mãos exploravam seu corpo, deslizando suave entre os seios e as pernas, enquanto olhava atenta a porta destrancada, que lhe causava um tesão imenso, aquela dúvida, aquele quase, aquele ar pecaminoso de ser pega, seminua, naquela autofagia descarada. E pela blusa entreaberta saltava o pulsar ofegante da respiração que anulava os sentidos pouco a pouco, fazendo-lhe entregar-se ao ímpeto de um gozo enquanto seus dedos se perdiam entre a mata e a gruta daquela floresta encharcada.

E enquanto se entregava para si naquele grito solitário de amor, tentava olhar a porta, mas seus olhos revirados já não viam para fora. Ela era a própria onda e entre estalos e suspiros e gemidos sufocados, também era o próprio mar. Esfregava-se freneticamente e levava às narinas seus dedos náufragos, revertendo odores de si para um outro imaginário; e então se contorcia quase deitada naquela cadeira, enquanto os ponteiros do relógio à sua mesa, brincavam de roda descompassados e alheios. Então o ar lhe faltava e seus dedos pulsavam em conjunto. Era o último gozo daquele instante, tinha de ser o último, não podia continuar; já não tinha mais forças e quanto mais gozasse mais demoraria a se recompor e as horas se passavam, os compromissos… Não havia mais pensar. Enlouquecida, esparramada, recuperava o fôlego enquanto levantava a calcinha, abotoava a blusa e se ajeitava na cadeira.

Como entre passos programados, quando a respiração já retomava seus compassos, o telefone soava e a secretária lhe oferecia um suco ou um chá; Ainda tonta, caminhava até o banheiro aflita para que o pulsar de sua vagina se findasse, para que aquele desejo fosse embora, enquanto seu corpo reclamava mais um gozo, mais um toque, mais carinhos, mais de mais. E no espelho ela se olhava sorrateira, com suas bochechas rosadas e quentes; geralmente lavava o rosto, geralmente se olhava demoradamente em questionamentos variados, geralmente se culpava por se culpar: era apenas um desejo incontrolável, não tinha como se conter. E já era um ritual. E rituais são rituais, desejos são desejos. E ponto final.

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3 comentários:

Frida Cores disse...

caralho.. amei!!!!

Anônimo disse...

sensacional!!
preciso me recompor dessa alta dose de vouyerismo literário, depois um cigarrinho, e ponto final.

... disse...

Delicioso!!!

Posso usá-lo numa sessão de convencimento?