Como duas panteras outrora enjauladas

Depois de ler a última frase ela disse:

- É por isso que não faço. Não dá, velho, é como esse final, não sei se vou querer parar, entende? Não faço isso...
- Como não?
- Não faço. Não gosto. Não tenho controle, porra. Sou bruta, sei que vou ficar lá e não vou querer parar.
- Mas caralho, como você não faz? Tem que fazer, se conhecer, é gostoso... Sério que vc não faz?
- Nunca fiz. Ih.... Que saco, não quero mais falar disso!
- Então tá...

Olharam-se. Como ela podia não fazer? Tocar em si própria e descobrir-se é o ritual mais saboroso já descoberto pelos seres vivos. É instintivo. É natural. Uma pessoa nunca se masturbar é ridículo, no mínimo.

- Porra, entenda, eu preciso de uma porra lá dentro, dura, pra eu gozar. Eu só gozo assim.

Mentira, pensei.

- Você precisa transar comigo.

Ela emudeceu. E gaguejou um sorriso, quase um soluço de alegria dentro de si. E de novo se escondeu:

- Idiota...

Tudo bem. A questão é que eu sabia que aquele texto tinha mexido – e muito -  com ela. Tanto, que sentia cada gota pingando em sua calcinha naquele momento. O pequeno rubor de suas bochechas, as mãos que agora não se detinham num lugar apenas, os dedos que mexiam desalinhados, a fala, o tremor do corpo, os pelos, os bicos dos seios, tudo, tudo nela denunciava o tesão. Estava derretendo, eu sabia. E eu também derretia...

Ela fingia que lia qualquer coisa ainda, mas seus olhos eram um quê descompassado a imaginar outras linhas. Então eu levantei, fechei a porta do quarto, tudo demoradamente, com terceiras intenções quase imperceptíveis e caminhei para trás de si e alisei os bicos de seus seios rígidos, por cima do vestido que a cobria. Um leve gemido, uma tentativa vã de desvencilhar-se, um beijo.

De repente nossas línguas se encontraram loucas num abocanhar mútuo e num abraço mudo o descarrilhar contínuo de nossos corações. Nossos olhos já se viam numa embriaguês contínua, e ela ensaiou um não que se tornou silêncio e eu dilatei seus poros com pequenos uivos.

- Pare, não faça isso, não... Pare... não...

Minhas mãos despudoradas afagavam palmo a palmo de seu corpo e os seus pelos, como plumas, provocavam no meu, arrepios incontroláveis. E eram quatro seios, duas vulvas e um desejo ocupando toda a atmosfera do lugar. E com os dedos entre suas pernas confirmei tua mentira e senti todo o teu gozo escorrer na minha mão, enquanto eu lhe esfregava, lhe amava e lhe comia do meu jeito. E então com toda fúria abocanhei sua buceta e com a língua desvendei todo mistério.


O mundo parou naquele instante e apenas nossos núcleos se moviam. Seu cheiro me invadia inteira e o meu corpo pulsava, a procura de sua boca. E como dois gatos nos lambíamos, como duas panteras outrora enjauladas, desfrutamos cada milímetro daquela liberdade antropofágica.

E quando nossos músculos reclamaram uma pausa, nossos olhos desbravaram o mar, em calmaria. E percebemos então que o quarto dilatara tanto quanto nós e que as cadeiras e os livros e os copos e vasos, já não tinham mais um lugar propício para estar. Jogadas no chão, de olhos fechados, senti o teu gosto fazer verso em meus sentidos. E então entre o cigarro, a fumaça e alguns gestos cúmplices, ela me abraçou em silêncio e disse baixinho:

- Não tenho controle, porra...

Inevitável Gozo

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Ela era uma alta funcionária do governo federal e entre os toques repetidos de seus saltos, a maquiagem sóbria e o coque no cabelo, tudo afirmava uma grande mulher. Todos os dias, o mesmo ritual: ainda dentro do carro, os retoques, ainda dentro de si, muitas vontades. Descia com suas pernas torneadas uma a uma e caminhava com passadas superiores por um longo corredor até chegar ao gabinete, à sua mesa, àquela cadeira. Sentada, olhava ao redor e estendia o branco de si às paredes. Tentava chorar, mas nada havia. Cinco minutos e a secretária entrava, fazia as perguntas habituais e oferecia o copo d’água que já aguardava na bandeja o seu sim. Novamente sozinha, olhava os papéis sobre a mesa e resguardada pelas quatro paredes, iniciava o caminho.

- Preciso de um pouco de silêncio querida. Não deixe ninguém entrar na sala por agora, está bem?

Seu corpo já pulsava inexplicavelmente. Era aquela sala, aquela cadeira, aquela luz entrando pelas frestas da janela. Tudo, para ela, emanava devaneios sexuais e era inevitável o desejo de masturbar-se ali, todos os dias, como um rito enviesado de emoção e culpa.

Então suas mãos exploravam seu corpo, deslizando suave entre os seios e as pernas, enquanto olhava atenta a porta destrancada, que lhe causava um tesão imenso, aquela dúvida, aquele quase, aquele ar pecaminoso de ser pega, seminua, naquela autofagia descarada. E pela blusa entreaberta saltava o pulsar ofegante da respiração que anulava os sentidos pouco a pouco, fazendo-lhe entregar-se ao ímpeto de um gozo enquanto seus dedos se perdiam entre a mata e a gruta daquela floresta encharcada.

E enquanto se entregava para si naquele grito solitário de amor, tentava olhar a porta, mas seus olhos revirados já não viam para fora. Ela era a própria onda e entre estalos e suspiros e gemidos sufocados, também era o próprio mar. Esfregava-se freneticamente e levava às narinas seus dedos náufragos, revertendo odores de si para um outro imaginário; e então se contorcia quase deitada naquela cadeira, enquanto os ponteiros do relógio à sua mesa, brincavam de roda descompassados e alheios. Então o ar lhe faltava e seus dedos pulsavam em conjunto. Era o último gozo daquele instante, tinha de ser o último, não podia continuar; já não tinha mais forças e quanto mais gozasse mais demoraria a se recompor e as horas se passavam, os compromissos… Não havia mais pensar. Enlouquecida, esparramada, recuperava o fôlego enquanto levantava a calcinha, abotoava a blusa e se ajeitava na cadeira.

Como entre passos programados, quando a respiração já retomava seus compassos, o telefone soava e a secretária lhe oferecia um suco ou um chá; Ainda tonta, caminhava até o banheiro aflita para que o pulsar de sua vagina se findasse, para que aquele desejo fosse embora, enquanto seu corpo reclamava mais um gozo, mais um toque, mais carinhos, mais de mais. E no espelho ela se olhava sorrateira, com suas bochechas rosadas e quentes; geralmente lavava o rosto, geralmente se olhava demoradamente em questionamentos variados, geralmente se culpava por se culpar: era apenas um desejo incontrolável, não tinha como se conter. E já era um ritual. E rituais são rituais, desejos são desejos. E ponto final.

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